Uma adaptação da Fábula de Esopo, Fabulista grego do século VI a.C
“Era uma vez uma colônia de ratos, que viviam com medo de um gato chamado Bigodes e seu bando “Tudo Nosso”. Cansados de viver pelos cantos e serem pegos dias a pós dias e passarem por tamanhos problemas; ora era fome ora era a morte eminente pelo tributo de se aventurarem honestamente pelas migalhas que sustentavam a colônia, os ratos resolveram fazer uma assembleia para encontrar um jeito de acabar com aquele monstruoso transtorno. Muitos planos foram discutidos por semanas e abandonados, mesmo assim, continuavam a buscar soluções tais como estudos, cartas de paz, intervenções artísticas, ações diretas, notas de esclarecimentos, negociações… Os coletivos rateiros nada conseguiam de efetivo contra Bigodes Brancos e seu Bando, mesmo após a criação da assembleia. No fim de varias discussões acaloradas e com um tempo de reunião avançado, um jovem rato chamado Coragem levantou a pata e deu uma excelente ideia:
– Vamos pendurar uma sineta no pescoço dos gatos e preferencialmente de Bigodes Brancos, já que ele é um dos mais ferozes e assim, sempre que ele ou eles estiverem por perto ouviremos a sineta tocar e poderemos fugir correndo.
Todos os ratos bateram palmas, gritaram de alegria, ovacionaram Coragem; o problema estava resolvido.
Vendo aquilo pacientemente e pensativo, um velho rato chamado Resmungo, que tinha permanecido calado, resolveu solicitar a palavra em meio à festividade da novidade e usando de toda sua experiência de um passado de trevas na toca e repressão no qual acostumou-se a ver tantos levantes ratidícos e fracassados. Após um breve momento, Resmungo disse:
– O plano é inteligente e confirmo muito bom! Finalmente uma ideia brilhante! Isto com certeza acabará com as nossas preocupações. Só falta uma coisa: quem vai pendurar a sineta no pescoço do gato?
Os demais participantes de pronto fizeram um silêncio fúnebre. Alguns responderam:
– Eu não! Vai que ele me pega…daí adeus a vida!
Outro, já tremendo:
– Tô fora!
Ainda outra voz gritou ao fundo:
– Não contem comigo tenho família!
Um rato comprido fala:
– Que vou ganhar com tamanho ato de coragem? Morrer de graça…sai dessa…
E assim, várias vozes saíram em meio tom e os ratos cabisbaixos desfizeram a assembleia…”
Moral da história: falar ou inventar é fácil, fazer é outa coisa…
As fábulas constituem um meio de comunicação em várias culturas e no Brasil não é diferente. São estórias/histórias que contêm concepções acerca da natureza, organização social, comportamento e seu funcionamento, fazendo-se por meio de animais humanizados, representando características humanizadas. Partindo-se deste pensar é que se faz valer este texto como fio condutor analítico da atual conjuntura brasileira e suas perspectivas desde as manifestações de junho de 2013, assim como o por quê de alguns desdobramentos convenientes ou não a quem possa interessar. Vejamos como tal pertinência se anuncia entre os devidos atores dessa estória/história e seus equivalentes humanos.
Quem seria o nosso Bigodes Branco? O Governo. E seu bando? Os capitalistas (multinacionais, banqueiros, entre outros). E o rato Resmungo? Seria aquele indivíduo que estando presente nos coletivos sempre tem uma ou mais palavras sobre a realidade, porém prefere se acomodar, pois o que estaria sendo feito é o que ele considera possível de ser feito. Sua palavra demonstra o comodismo por já estar dentro de tal situação, não que ele não queira a mudança, desde que não seja ele a colocar a sineta no gato e correr o risco de ser comido.
E a sineta? O povo que saiu às ruas em Junho e todos aqueles que ainda estão nas ruas, em coletivos, grupos e organismos auto organizados, lutando por uma nova forma de organização, estudos e esclarecimentos de base, interações e ações de conscientização politica, que atendam as reais necessidades da população. Essa sineta visiona tilintar uma nova forma de organização social em que todos possam ser ouvidos e ouvir, tenham a liberdade de sonar sua própria liberdade. E que suas propostas sejam em conjunto deliberadas e a clareza dos dispositivos governamentais sejam abertos e acessíveis a todos.
Quem seriam os demais ratos da assembleia? O povo que ainda persiste na luta dia após dia nas ruas, largos, praças, e onde os gatos ainda apenas vigiam, aguardando o momento do abocanhamento. Esses mesmos ratos tem deixado os espaços vazios aos poucos, rotineiramente, pelo simples medo de não saber exatamente como colocar o sino ou os sinos nos gatos. Esses mesmos ratos aguardam em suas tocas cabisbaixos e em falas de meio tom o dia da mudança.
E o rato Coragem com sua sineta na mão, por onde tem andado? Em cada um de nós? Ou talvez adormecido de um sono nunca desperto?!