COPA: CARTÃO VERMELHO PARA A DEMOCRACIA?

catao3Nós, que viemos de baixo, jogamos bola com os pés descalços nas ruas. Já vivemos tantas emoções no Maracanã, e hoje nos impedem de entrar pelo preço dos ingressos nos estádios agora privatizados. Nós temos um sistema educacional bola murcha, sempre recebemos marcação cerrada nos transportes lotados, e quando nos contundimos temos que encarar um sistema de saúde falido.

Nós, a quem negam diálogo, mesmo tendo voz, não temos só fome de bola. Nos levantamos do banco de reservas, e declaramos: cansamos de assistir inertes ao nosso time ser massacrado. Na Copa das nossas vidas, nós decidiremos o jogo!

Em junho do ano passado, milhões de pessoas foram às ruas mostrando desejo de participação nos rumos do país e descontentamento com esse modelo excludente de sociedade. E abrimos o placar, marcando um gol contra o
aumento das passagens. Mas não era só por 20 centavos. Permanecemos nas ruas.

Hoje, o Brasil sedia uma Copa do Mundo. As pessoas nas ruas foram claras sobre a escalação que queriam:

– Um projeto de mobilidade urbana que atenda às necessidades da população, em vez de beneficiar uma máfia de empresários que, mantendo relações escusas com o poder político, lucra com um transporte público precário e caro. A tarifa abusiva fere nosso direito constitucional de ir e vir ao nos impedir de transitar pela cidade;

– Políticas de saúde voltadas para a garantia do bem estar das pessoas e
para a valorização da vida, com mais hospitais, melhor equipados, com bom
atendimento, profissionais com boa formação e trabalho valorizado; além de
saneamento básico e prevenção de doenças;

– Educação equivalente a todas as pessoas, que não se limite a atender ao mercado de trabalho, valorize cada indivíduo em suas potencialidades dentro da diversidade do coletivo, e estimule a reflexão, a construção de liberdade através da ajuda mútua e a formação de indivíduos criativos e autônomos. Mais escolas e universidades com acesso irrestrito; educação
continuada e laica; professores e professoras com melhor remuneração e condições de trabalho; gestão e projetos pedagógicos construídos coletivamente.

No entanto, a escalação dos governos, da CBF e da FIFA foi outra:

– Remoções violentas de milhares de pessoas de suas casas, para abrir espaço para obras, gerando lucros às grandes construtoras e falta de moradia; aumento do custo de vida, com as altas abusivas de preços no mercado imobiliário e diversos outros setores, marginalizando ainda mais a população já marginalizada, a quem só resta ocupar espaços inertes e viver em risco;

– Estado como balcão de negócios, loteando e vendendo espaços públicos, com processos de enriquecimento ilícito, atendendo aos interesses econômicos privados em prejuízo dos interesses do povo;

– Desperdício de dinheiro público. Em critério de gastos públicos, essa Copa ganha de goleada: gastou-se mais que nas últimas duas Copas juntas!;

– Liberdade de expressão e direito de ir e vir suprimidos pela entrega do nosso território para o domínio da FIFA;

– Violência policial cada vez mais presente nas favelas e no asfalto. Militarização da vida pública e o exército nas ruas, cometendo abusos contra o povo;

– Terrorismo de Estado, com a criminalização dos movimentos populares, prisões arbitrárias e medidas inconstitucionais.

Na partida dos de baixo contra os de cima, já sabemos o resultado: aqui, tudo tem prorrogação, pênalti e ainda vai pro tapetão. Nossos juízes estão comprados.

Não é esse o campeonato que queremos ver. Quem manipulou os resultados – governantes que respondem aos interesses dos empresários – são os mesmos que sempre saem lucrando. Para nós, cá embaixo, ?é só tiro, porrada e bomba?. E a mídia tenta esconder esse jogo sujo: quando o lance é duvidoso, corta pra torcida.

Diante de todos esses fatos, algumas perguntas precisam ser respondidas: se a Copa é do povo, em que momento nos consultaram? E se pudéssemos escolher,
em que gastaríamos bilhões de reais? Quanto vale um hexa? O que vai mudar em nossas vidas se o Brasil for campeão?

E o que podemos fazer pra virar esse jogo?

Nós, aqui de baixo, podemos nos reunir, conversar, pensar e agir a partir do que compartilharmos. Não precisamos de líderes. Já entramos em campo, com greves, ocupações, assembleias, atos. Pouco a pouco, vamos reconquistando o que é público do cerco estatal e privado. E assim rumamos, no esquema tático da democracia.

E que fique bem claro: O Brasil é uma República. Democracia é outra coisa. Ela é direta e participativa e encontra sua maior expressão na assembleia popular e no diálogo permanente sobre a organização da vida comum.

Queremos construir uma democracia direta, em que a nossa participação na vida política não se resuma a um voto a cada dois anos; em que cada pessoa possa representar a si mesma e as suas demandas; em que possamos decidir as prioridades do país sem intermediários; em que possamos mandar em nosso próprio destino.

Ao longo do último ano, surgiu das ruas a vontade de formar espaços horizontais, onde indivíduos se autorepresentam, organizando-se em assembleias populares. São encontros abertos, inclusivos e participativos. As assembleias colocam-se como base para construções coletivas, em diversos espaços públicos; são compostas por quem quiser chegar, e todas as pessoas conduzem as reuniões e exercitam a democracia direta.

No Rio de Janeiro, nos encontramos nos seguintes locais:

– Na Grande Tijuca, aos domingos (quinzenais), 18h, na Praça Saens Peña (Assembleia Popular da Grande Tijuca);

– No Grande Méier, às segundas, 19h, na Praça Agripino Grieco (Assembleia Popular do Grande Méier);

– Na região do Flamengo, às segundas, 19h, no Largo do Machado (Assembleia Popular no Largo do Machado);

– No Centro, às terças, 19h, no Largo de São Francisco (Assembleia do Largo);

– No Centro, às quartas, 19h, na Cinelândia (Assembleia Popular na Cinelândia).

Esse jogo está só começando! Ainda há jogadores e jogadoras demais se aquecendo para entrar em campo.

Nós, aqui de baixo, devemos nos organizar nas nossas ruas, nos nossos bairros, nas comunidades, nos locais de trabalho, nas escolas, por iniciativa coletiva e de cada indivíduo, e fazer crescer nossa participação
nas decisões políticas, até que não haja mais ?os de cima? e ?os de baixo?, e livres de todo o peso, possamos jogar com leveza.

Assembleias Populares Horizontais do Rio de Janeiro